Dia desses um som familiar ecoou dentro da minha casa, mas fora de lugar. Um tipo de canto que normalmente escuto na rua, estava agora aqui dentro. Deixei meu trabalho de lado e fui descobrir a fonte desse cantar.
Encontrei-o na cozinha, delicado e imponente, repousado sobre uma caixa de ovos imperiais. Ele havia encontrado seu caminho através de uma pequena fresta na janela e ali permanecia, imóvel. Nossos olhares se encontraram. Parecia calmo, resignado até.
Meu impulso inicial foi o de querer fotografar a cena, hesitei com medo de espantá-lo com meu movimento. Decidi arriscar. Retornei com a câmera. Ele permanecia lá, como se aguardasse minha decisão. Registrei aquela conexão fugaz entre nós. Ele piava suavemente, como se soubesse o que eu estava fazendo.
Agradeci pela cooperação e, num piscar de olhos, ele partiu. Fiquei com meus pensamentos, refletindo sobre a natureza misteriosa da interação entre seres tão distintos.
E ai acho graça dessa curiosa tendência humana de atribuir significados e intenções às coisas do mundo ao nosso redor. Pensar que o passarinho queria conversar, que buscava proteção ou até mesmo que me aguardava para ser fotografado.
Nosso olhar humanizante sobre o que não é humano. Um olhar que atribui a raios que riscam o céu a ação de juízes celestiais. É curiosa a nossa fragilidade diante das forças da natureza, essa nossa tentativa de encontrar sentido e controle em um universo vasto e imprevisível.
Somos seres vulneráveis diante do desconhecido, ansiosos por encontrar humanidade em cada canto do mundo que nos cerca, tecendo laços imaginários entre nós e o mundo que habitamos.
Um mundo que nos habita.
A gente se lança em voos incertos nesta vida… É reconfortante ouvir um som que faz pensar sobre a beleza e simplicidade que permeiam a nossa existência.